Nezara viridula

A moça contou dezesseis bolinhas translúcidas grudadas no azulejo da cozinha, protegidas do sol e na maior brisa. Uma colherada de sagu brilhante cor de rosa desafiando a lei da gravidade. Lindos ovos de algum inseto. Deixa crescer pra ver o que é que vira? E se forem centopeias gigantes, lagartas peludas? Borboletas é que não são.

Deu um dó pensar que, no rito de passagem que é matar sozinha o primeiro bicho dentro da casa nova, a moça cometeria logo um genocídio — pior, um infanticídio. Matança das contas de um colar. Deixa aí. Quanto tempo até voarem pela janela, caindo no mundo?

Demorou na conjectura e esperou amanhecer um, dois, três dias, quando percebeu qualquer coisa de movimentação dentro das pérolas — pontinhos pretos em atividade biológica de respirar e comer, protegidos pela cápsula rósea. Pareciam pulsar na parede. “Tão vivos, ai, minha mãe.”

Buscou na gaveta o pano de prato mais encardido para dar cabo do serviço. Envolveu o amontoado de pequenos seres vivos, pressionou (eram resistentes as bolinhas) e jogou no lixo. Antes dizimar uma população de proto-insetos do que lidar com possíveis baratas voadoras.

Dias depois, no canto da janela da sala, cinco ou seis bichos pequeninos, na mesma configuração de sagu, pareciam ter despertado da dormência aquela manhã. Eram verdes e a moça os conhecia: eram marias-fedidas. Mata logo antes que a casa fique empesteada de cheiro de folha e de coisa amarga. O canto da cigarra, do lado de fora da casa, foi a marcha fúnebre para mais um assassinato coletivo — a moça já tinha virado serial killer de cafofo (outro nome do bicho, segundo a Wikipedia).

A Wikipedia foi o site que a moça consultou depois da reincidência assassina. Leu que os percevejos fedorentos da família dos pentatomídeos são uma das piores pragas de jardim e de lavoura de algodão e soja. Sentiu-se bem por ter salvo as roseiras do prédio, mas quis saber o nome das vítimas. Impossível: só saberia identificar a espécie da primeira leva se tivesse olho de entomologista, e a tribo do segundo time caso tivesse operado da miopia galopante.

As larvas poderiam ser de Nezara viridula, Palomena prasina, Piezodorus guildini (é a equipe de produção de um filme do Fellini?) ou do soldado verde Acrosternum hilare, corpo em forma de escudo e nome de templário. De tudo o que leu e ouviu — “Nezara viridula” retorna até com uma espasmódica apresentação musical no YouTube –, comoveu-se com a ternura das imagens da mamãe-maria-fedida em torno da prole malcheirosa. Nezara é das matronas mais zelosas entre os insetos. Onde estaria ela na hora fatal?

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