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Olívia Fraga é jornalista. Vive em São Paulo, escreve sobre comida e palpita sobre muitas outras coisas.

Tupinambo abafado com tomates e cebola

Não, eu não fazia ideia do que era tupinambo até chegar ao capítulo LEGUMES do livro da Marcella. Na folheada randômica, encontrei a palavra ilustrada com um desenho de folhinha bem bonita, e pensei em erro de tradução, ou nome regional para algum tipo de verdura que, no Sudeste, era conhecida como… alfavaca, chicória. Lá sei eu.

Então Marcella gosta de tupinambo… Ahm. Que exótico.

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Em Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica há cinco receitas com o ingrediente de nome indígena. E uma explicação simpática sobre um injustiçado: tupinambo, ou girasol-batateiro, ou alcachofra-de-jerusalém, ou girasole (sunchoke em inglês), é descrito como um “legume excelente”, originário dos Estados Unidos (hã? tupinambás lá pra cima?, pensei ansiosa pela resposta).

A história que Marcella conta se confirma em outras obras de referência – como Biology and Chemistry of Jerusalem Artichoke: Heliantus tuberosus L. – e vem a ser esta: levados para as cortes da Europa e para as Américas para serem estudados, os índios tupinambás acabaram dando nome ao tubérculo que chegava na mesma época da América do Norte. Em Portugal, Espanha, Itália e países de língua inglesa, o tupinambo espalhou-se, e de lá para o Oriente Médio. De Jerusalém ele não é, mesmo, mas deu muito certo por lá. (a palavra girasole lembra Jerusalém, daí a mistura-confusão de termos).  

E fui perguntando. Há menções ao tupinambo em um e outro site, muita gente já comeu tupinambo fora do Brasil, mas por aqui pouco se planta o tubérculo que dá florzinha amarela. Procurei em mercados, falei com agricultores e deixei as receitas de molho, certa de que teria de esquecer o tupinambo sem ao menos conhecê-lo.

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Da família do girassol e da alcachofra, o tupinambo é uma planta #diferentona: seu açúcar principal é a inulina, uma frutose; outros tubérculos (como a batata) armazenam energia em forma de amido, um polissacarídeo de glucose. Parece preciosismo chato, mas isso explica o sabor que lembra fruta e alcachofras (claro!) do tupinambo, além de suas vantagens para a dieta. Valor nutricional alto e poucas calorias, o tupinambo é excelente pra quem precisa reduzir colesterol e controlar diabetes. Cadê a turma fitness pra exigir tupinambo nos supermercados?

Até o começo do mês, do tupinambo eu só sabia a história. Quando já não o procurava mais, e no interregno em que produzi arroz-feijão em casa e sumi do blog, Marisa Ono, que planta tudo o que for possível, anunciou que tinha colhido bastante tupinambo ofertado pela maravilhosa cozinheira Mari Hirata. Muito agradecida às duas! (como devemos aos plantadores…).

Um sacão cheio de tupinambos me esperava na recepção do Aizomê, restaurante japonês em São Paulo onde Marisa deixou mais uma porção de tupinambos pra chef Telma Shimizu testar. Trouxe os meus pra casa e fiquei torcendo para que eles não estragassem – Marisa aconselhou armazenar em geladeira. Macios e úmidos como são, apodrecem rapidamente se não forem bem conservados.

Amarelados ou rosáceos, gordinhos ou longilíneos, os tupinambos são uma pedreira pra descascar. A superfície é bastante irregular. Usei faca no começo, quebrei vários, troquei por ralador e melhorou. A casca parece um pouco mais grossa que a de cenoura, então raspá-la em ralador é uma boa ideia. Assar sem descascar e servir com alhos e outros legumes também fica ótimo.

Todas as receitas com tupinambos do Fundamentos valem a pena. Esta me parece mais completa, boa pra servir com arroz, com pão. Em breve publico mais.

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TUPINAMBO ABAFADO COM TOMATES E CEBOLA
(serve 6 porções)

1/4 de xícara de azeite de oliva extravirgem
1 xícara de cebola em fatias bem finas
1/2 colher (sopa) de alho picado
2 colheres (sopa) de salsa picada
2/3 de xícara de tomates em lata (tomate pelado)
700 g de tupinambo
sal e pimenta-do-reino moída, a gosto

1 Descasque os tupinambos, lave-os em água fria e corte-os em pedaços de 2,5 cm de espessura.
2 Salteie a cebola com o azeite em fogo médio-alto. Adicione o alho picado, misturando para não queimar, e em seguida a salsa. Mexa e coloque os tomates pelados. Deixe cozinhar por 5 minutos. Adicione um pouco de água se necessário.
3 Quando o tomate começar a dissolver, acrescente os tupinambos picados, misture bem  e deixe cozinhar por 30 a 40 minutos, até que eles estejam macios ao serem espetados com um garfo. Ao final, acerte os temperos e sirva.

Dificuldade: fácil
Precisa de quê? fogão
Tempo:  50 min

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Feijão Marcella

História bonita que apareceu no jornal pra fazer a gente querer virar nome de feijão também. Marcella agora dá nome a um feijão quase desaparecido, original da região da Toscana (na Itália, seu nome é sorana, também nome da cidade onde ele é plantado, feijão de origem protegida), redescoberto por um adorador de feijões da Califórnia com quem Hazan se correspondia por Facebook. E eles nunca se viram na vida.

Steve Sando virou amigo de Marcella Hazan porque tinham gostos em comum: música italiana e feijões. Seis anos atrás, Sando recebeu uma encomenda de Marcella (ele trabalha com uma rede de agricultores que plantam variedades raras da leguminosa) e um pedido de amizade pelo FB. Conversa vai, conversa vem, Sando quis saber de qual feijão a escritora mais sentia saudade. Sorana, ela respondeu – o feijão que derrete doce na boca, de pele imperceptível que, claro, pouquíssima gente conhece (nem na Itália é comum encontrá-lo, segundo o artigo do New York Times).

O empresário quis homenageá-la e correu atrás do feijão para plantar. A safra que deu certo infelizmente não chegou às mãos de Marcella, que faleceu em 2013. Tô a ponto de pedir pra alguém trazer.

 

 

 

Logo mais

O blog entrou em recesso não-programado já faz mais de mês. Deu gastura de ver o preço das coisas no supermercado e o tempo rareou.

Ando fazendo o trivial, que não interessa a ninguém, é verdade, mas vale registrar para a posteridade que o trivial continua lindo e gostoso.

Feijão cozido, congelado e refogado com louro e temperado com garam masala (que agora arrisco botar em tudo), quase nada de sal. Espinafre refogado em um pouquinho de manteiga.

Macarrão salteado com atum em pedaços, em lata, um pouco do caldo da conserva, salsinha por cima e nada mais, nem sal. (É claro que dá pra viver com pouco sal e temperar com ervas, sementes moídas, pimentas).

Abobrinha refogada com cebola, tomate-cereja e queijo branco esmigalhado. Rodelas de cenoura cozida com sementes de erva-doce.

Tinha um pouco de farinha d’água em casa (mandioca posta para fermentar que depois fica meio granulosa, durinha; mais informações aqui) e resolvi hidratá-la com leite e baunilha. A farinha absorveu tudo e ficou cremosa, gorducha, um doce parecido com arroz doce ou canjica. Botei gotinhas de limão pra dar uma graça e como gelada.

“Rocambole” assado, feito com batatas cozidas e amassadas como purê, pouco molengas, recheados com sardinha, tomilho e páprica doce.

Nada disso tá fotografado – ou era digno da câmera – , mas juro que passei o mês bem feliz.