Category Archives: Crônica

Feijão Marcella

História bonita que apareceu no jornal pra fazer a gente querer virar nome de feijão também. Marcella agora dá nome a um feijão quase desaparecido, original da região da Toscana (na Itália, seu nome é sorana, também nome da cidade onde ele é plantado, feijão de origem protegida), redescoberto por um adorador de feijões da Califórnia com quem Hazan se correspondia por Facebook. E eles nunca se viram na vida.

Steve Sando virou amigo de Marcella Hazan porque tinham gostos em comum: música italiana e feijões. Seis anos atrás, Sando recebeu uma encomenda de Marcella (ele trabalha com uma rede de agricultores que plantam variedades raras da leguminosa) e um pedido de amizade pelo FB. Conversa vai, conversa vem, Sando quis saber de qual feijão a escritora mais sentia saudade. Sorana, ela respondeu – o feijão que derrete doce na boca, de pele imperceptível que, claro, pouquíssima gente conhece (nem na Itália é comum encontrá-lo, segundo o artigo do New York Times).

O empresário quis homenageá-la e correu atrás do feijão para plantar. A safra que deu certo infelizmente não chegou às mãos de Marcella, que faleceu em 2013. Tô a ponto de pedir pra alguém trazer.

 

 

 

O bolo da digressão louca

“Se você disser que eu embatumo, amor…”
(Elisa Tozzi)

Uma boa missão nesta vida é olhar tudo com olhinhos polianos. Nem precisa trabalhar com psicologia ou terapia etc, é só exercitar no dia a dia. Ok, é meio difícil ficar vendo copo metade cheio com tanta notícia desagradável. E quantos de nós têm chance real de trabalhar na Pixar ou na Risqué pra poder viver sorrindo? Imagina poder passar o dia tendo as ideias mais malucas e maravilhosas ou dando nome pra cor de esmalte? Eu bem queria.

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E lá se foram muitas linhas de divagação. Olha o que um bolo com café à tarde é capaz de fazer…

Toda essa prosódia é porque inauguro aqui uma licença esporádica para falar de receitas que não são italianas, tampouco de Marcella Hazan. Pelo bem da minha conta bancária (nem sempre a gente tem bufunfa pra comprar prosciutto, pinole e arroz carnaroli), da piada e do texto, permito-me a partir de agora dar umas escorregadelas.

Até porque ultimamente Marcella Hazan reina em tríplice aliança aqui em casa e eu vivo de paquerinha com outros. Um livro que uso muito para cozinhar é o A Arte da Comida Simples, da chef californiana Alice Waters. Jerusalém, de Yotam Ottolenghi e Sami Tamimi, inspirado na Cidade Santa onde ambos nasceram, tem receitas lindas, executáveis, um dos mais bonitos acordos de paz entre muçulmanos e judeus. (Pago ainda tributo à outra trinca, dessa vez brasileira: Rita Lobo, Heloisa Bacellar e Carla Pernambuco têm volumes ótimos de se levar pra cozinha.)

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Ao bolo.

No quesito bolo-feito-em-casa, a humanidade é dividida em duas facções. Metade senta e chora quando o bolo não cresce. A outra metade come o bolo massudo como se não houvesse nada mais perfeito no mundo. Sou do segundo time. Comigo não tem bolo ruim. Olhinhos polianos, amigos!

Bem, este bolo foi feito sem receita mesmo e cresceu bem pouco. Não inventei nada, não: só lembrei que dá pra fazer bolo de liquidificador e ficar feliz com ele seguindo algumas regrinhas matemáticas. Não é um pão de ló, não é um esponja de 15 cm, não precisa bater clara em neve antes, mexer devagarinho no final. É um bolo com miolo mais massudo que aproveita tudo que eu tinha sobrando em casa: creme de leite fresco quase estragando (a quantidade foi usada como base pra calcular o tanto de farinha a entrar), ovos, farinha, metade de um limão, açúcar cristal. E foi isso que saiu, um bolo de creme de leite, pois que leite mesmo não tinha. O pouquinho de manteiga que havia usei para untar a fôrma.

Porque a luz da tarde estava linda
A maçã da foto é só cenário porque a luz da tarde estava linda

BOLO DE CREME DE LEITE DE LIQUIDIFICADOR
(serve 10-12 fatias)

350 ml de creme de leite fresco*
2 1/2 xícaras de farinha de trigo
5 colheres cheias (sopa) de açúcar cristal ou 6 colheres (sopa) de açúcar refinado
raspas e 2 colheres (sopa) de sumo de limão
manteiga para untar
3 ovos
1 colher rasa (sopa) de fermento**
* todos os ingredientes devem estar em temperatura ambiente
** quer ter certeza de que o fermento está bom para usar? Coloque uma colher (sopa) de fermento em meio copo com água e veja o que ocorre. Se fizer muitas bolhas, use. Se não borbulhar bastante, o fermento pode estar vencido ou envelhecido, sem ação. 

1 Pré-aqueça o forno a 180°C. Unte e enfarinhe uma fôrma com furo no meio ou retangular, de 20 cm.

2 No liquidificador, bata os ovos em velocidade baixa-média e acrescente o açúcar pouco a pouco. Em seguida, adicione o creme de leite, as raspas e o sumo de limão. Não se desespere se vir a mistura talhar. A farinha vai dar um jeito: acrescente-a peneirada aos poucos para o motor do eletrodoméstico não chiar. Quando ficar homogêneo, pare de bater e coloque o fermento. Bata ou misture com uma colher, incorporando bem. 

3 Coloque a massa de bolo na fôrma untada e enfarinhada e leve para assar por 40 minutos, bem no centro do forno para assar por igual. Quando o bolo dourar na superfície e dos lados, abra o forno e espete um palito ou a faca: ele estará pronto quando sair seco. Apague o fogo, espere mais 5 minutos, retire-o do fogo e espere pelo menos 15 minutos para desenformá-lo.

Dificuldade: fácil
Precisa de quê? liquidificador e forno
Tempo:  1 hora

Comida e blablablá

O que aprendi nos três dias de Oxford Symposium on Food & Cookery?

– faz muito calor na Inglaterra

– embora o quartinho do alojamento fosse razoavelmente confortável, a arquitetura moderna de Arne Jacobsen, que foi quem projetou os prédios do St. Catz College, não foi páreo para o Saara Mood. Os inquietos ventiladores de chão eram tão xinglings quanto os que a gente encontra nas lojinhas da R. 25 de Março

– debaixo de tais temperaturas, qualquer tentativa de ser elegante resulta vã

– o mundo do conhecimento ainda se divide entre americanos entusiasmados e ingleses bibliófilos

– catalogar e reunir é o trabalho mais nobre de todos. Curiosidade nunca é demais

– não existe salmão selvagem no mundo, esqueçam o mito da pureza de uma vez por todas

– os foodies sem-noção dominarão a terra

– ninguém lembra da fome do outro

– quase ninguém fala de sexismo ou misoginia

– o Slow Food não deu certo no Reino Unido

– blogueiro que trabalha com jabá na Europa é marcado com o selo da vergonha. Há um código de ética no Reino Unido que exige a hashtag #sp (de “sponsored”, ou patrocinado) em postagens de produtos, viagens bancadas por marcas ou qualquer outro tipo de comunicação que envolva algum benefício financeiro. Ah, se a moda pega por aqui…

– o sucesso dos mangás de comida do Japão explica a pirâmide demográfica e o desinteresse dos japoneses em fazer sexo

– a TV nunca dará conta da complexidade das relações em torno da comida, diz Diana Henry, escritora e ex-produtora dos melhores programas de culinária da BBC e do Channel 4; o rádio dá conta sim, por incrível que pareça. The Kitchen Sisters, as produtoras independentes de programas sobre comida da NPR (estação pública de rádio dos EUA), representam o casamento mais feliz entre jornalismo e comida que existe

– a máfia italiana continua destruindo plantações inteiras de azeitonas e uvas no sul do país

– havia (e há) cadernos de receita feitos em campos de concentração, gulags e prisões de guerra

– o suplemento de comida do Los Angeles Times (que foi editado pela grande escritora Ruth Reichl nos tempos áureos) era chamado de “matador de cães” (dog killer), de tão pesado que era. Não faltavam anúncios. Saía com 72 páginas semanais

– há AINDA quem acredita que grupos étnicos que comem direto de bandejas, com as mãos, precisam ser ensinados a comer com garfo e faca. E que diga isso num microfone, publicamente, dentro de uma universidade

– Claudia Roden, Ann Willan, Barbara Ketcham Wheaton e Laura Shapiro existem. ❤